Quem foi Daniella Perez, assassinada no auge de sua carreira como atriz na Globo

 Morta quando estava no ar em 'De Corpo e Alma', filha de Gloria Perez é lembrada na série 'Pacto Brutal', da HBO Max


Foto Foto: Reprodução/Twitter


A estreia de "Pacto Brutal", minissérie documental em cinco episódios sobre o assassinato de Daniella Perez que estreia nesta quinta-feira, joga luz sobre a vida da atriz e bailarina, que morreu aos 22 anos, em 28 de dezembro de 1992.

Seu corpo foi encontrado pela polícia, ao lado de seu carro, num matagal de uma então pouco adensada Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro, com 18 perfurações, a maioria concentradas na região do coração. O relato de uma testemunha levou a polícia a Guilherme de Pádua, colega de elenco da vítima, e à mulher dele, Paula Thomaz.

Daniella era a filha primogênita de Gloria Perez, hoje uma autora consagrada de novelas na TV Globo. Nasceu no Rio de Janeiro, em agosto de 1970 e desde cedo mostrou talento para o balé. Tanto é que chegou a dançar profissionalmente na companhia da coreógrafa Carlota Portella.

Seu talento para a dança a levou à sua primeira participação especial na TV, bailando na abertura da novela "Kananga do Japão", da extinta Manchete, que foi ao ar no final dos anos 1980. Foi nos bastidores desse folhetim que ela conheceu Raul Gazolla, com quem se casaria em 1990.

Gloria Perez conta na série "Pacto Brutal" que aquela experiência a abriu para tentar a carreira de atriz. Em 1990 sua filha ganhou o seu primeiro papel de atriz, como coadjuvante na trama de "Barriga de Aluguel", da faixa das seis da tarde da Globo. O enredo contava com Claudia Abreu no papel de uma jovem que empresta o útero para gerar o filho do casal vivido por Cássia Kis e Victor Fasano.

Em "Barriga de Aluguel", escrita por sua mãe, Daniella Perez interpretava Clô, que era uma das dançarinas do Café Copacabana, onde parte da trama era encenada. Foi ali que começou a a amizade entre a atriz e Eri Johnson, com quem voltaria a contracenar dois anos depois, em "De Corpo e Alma". O ator seria um dos nomes mais ativos a dar declarações no desenrolar do assassinato da amiga.

Na época, Daniella Perez chegou a comentar o fato de atuar numa trama que tinha a sua mãe como autora. "No começo, o fato de estar em 'Barriga de Aluguel' me incomodava muito", disse ela à revista Amiga TV, em 1991. "Eu, que nunca tinha feito nada como atriz, achava que estava tirando o lugar de alguém que realmente tivesse talento."

Seu primeiro papel de destaque se daria no trabalho seguinte, "O Dono do Mundo", enredo de Gilberto Braga para o horário das oito. A história acompanhava um médico inescrupuloso, vivido por Antônio Fagundes, que tinha fixação na virginal Márcia, interpretada por Malu Mader.

Nessa novela, que foi ao ar em 1991, Daniella Perez vivia Yara, irmã mais nova de Stella, papel de Glória Pires, que, por sua vez era casada com o personagem de Fagundes. As duas irmãs eram filhas de um ricaço encarnado por Stênio Garcia.

Tanto ele quanto Daniella Perez, aliás, voltariam a repetir o papel de pai e filha na produção seguinte de ambos, que foi "De Corpo e Alma", no ar a partir de meados de 1992.

Com essa novela, Gloria Perez, discípula de Janete Clair, assumia a sua primeira trama das oito em voo solo na Globo. O enredo principal girava em torno de Paloma, que recebia o coração transplantado de outra mulher, Betina, grande amor de Diogo, papel de Tarcísio Meira. Os dois acabavam se apaixonando, numa narrativa que ainda tratava da ascensão dos góticos e do fenômeno dos clubes das mulheres, com strippers masculinos.

Daniella Perez não era a protagonista da trama escrita por sua mãe, mas fazia um papel de destaque e que caiu no gosto popular –Yasmin, jovem cheia de personalidade que vivia um romance com Caio, interpretado por Fábio Assunção, que por sua vez deixava os papéis teen para se consagrar como galã.

Yasmin, na trama, tinha um envolvimento com Bira, motorista de ônibus vivido pelo ator Guilherme de Pádua, iniciante em seus 22 anos, que fazia em "De Corpo e Alma" o seu primeiro grande trabalho na TV.

Na noite de 28 de dezembro de 1992, o corpo de Daniella Perez foi encontrado num matagal, atingido por cerca de 18 estocadas que feriram seus pulmões e o coração.

A polícia chegou até Guilherme de Pádua por causa de uma testemunha que teria visto o seu carro, com a chapa adulterada, na cena do crime, pouco antes de o corpo da atriz ter sido deixado ali. A Justiça concluiu que o ator e sua mulher armaram uma emboscada contra a vítima. Ambos foram condenados por homicídio qualificado a uma pena de pouco menos de 20 anos de prisão.

Há cinco anos, o ex-ator se tornou pastor da Igreja Batista da Lagoinha, em sua cidade natal, Belo Horizonte. Guilherme de Pádua concedeu poucas entrevistas sobre o caso, mas seu nome sempre reaparece por aí, como quando criou um canal no YouTube para falar de sua conversão religiosa. Numa de suas últimas aparições públicas, em 2020, foi às ruas num protesto pró-Bolsonaro.

Em 1993, quando foi ao ar a última gravação de Daniella Perez em "De Corpo e Alma", seus colegas de elenco quebraram a quarta parede para prestar homenagens, exibidas no fim do capítulo. E, quando a novela acabou de vez, em março daquele ano, mais uma vez exibiram um compilado de cenas da atriz.

"Pacto Brutal - O Assassinato de Daniella Perez"

Onde: Minissérie em cinco episódios disponíveis a partir de quinta (21), na HBO Max

Classificação: 16 anos

Produção: Brasil, 2022

Direção: Tatiana Issa e Guto Barra

Príncipe de Astúrias: conheça a história do 'Titanic brasileiro', que naufragou na costa de Ilhabela, SP

 Transatlântico afundou em 1916, depois de bater em uma barreira de corais submersos da Ponta da Pirabura; dos 654 tripulantes, 477 morreram quando navio afundou. No entanto, número de corpos encontrados no litoral paulista originou suspeita de que refugiados clandestinos


Viajem inaugural do navio Príncipe de Astúrias, em 1914. — Foto: Acervo O Globo


Na madrugada do dia 5 de março de 1916, o transatlântico Príncipe de Astúrias passava pela costa de Ilhabela em direção ao Porto de Santos, no litoral paulista. Era uma segunda-feira de carnaval e os tripulantes dançavam marchinhas no salão de baile do navio, quando a embarcação mudou de direção e se chocou contra uma barreira de corais na Ponta da Pirabura. Assim começa o maior naufrágio de que se tem conhecimento na costa brasileira.

O navio foi construído em 1914, na Escócia, sob encomenda de uma companhia espanhola. O transatlântico contava com uma estrutura de duplo casco, assim como a utilizada no Titanic e por isso inspira comparações. Na época essa tecnologia era conhecida por ser segura e ajudar a tornar a viagem mais rápida.

O Príncipe das Astúrias operava de forma mista, levando tanto pessoas quanto cargas. A estrutura tinha três classes com diferentes acomodações, comportando 1.890 pessoas - entre tripulantes e passageiros.

“A rota de travessia do Atlântico durava cerca de 30 dias, saindo de Barcelona e escalando em Cadiz e Las Palmas na Espanha, Canárias, além do Rio de Janeiro e Santos, no Brasil, Montevidéu, no Uruguai, antes de chegar a Buenos Aires”, explica o historiador Fernando Alves.
O transatlântico chegou a concluir seis viagens entre Barcelona e Buenos Aires e estava na sétima travessia quando naufragou.


Hall de um dos andares do navio Príncipe de Astúrias — Foto: Acervo O Globo

Período histórico


“Durante esse período, houve um declínio da Europa, com desemprego, fome e miséria. Essa instabilidade política e social favoreceu o surgimento de regimes totalitários. Diante dessa questão é que se constata o número significativo de tripulantes no porão da embarcação, fugindo da Primeira Guerra Mundial”, conta o historiador.
Com a fuga da Europa, todas as classes dos navios na época saíam completamente cheias dos portos, porém, nem a capacidade total era suficiente para comportar todos que tentavam embarcar.

Oficialmente, em sua última viagem, o Príncipe de Astúrias transportava 654 passageiros. Entretanto, muitos estudiosos acreditam que havia pessoas viajando junto às cargas no porão, de forma clandestina, em uma tentativa desesperada para sair dos países em guerra.

Estima-se que no total, pelo menos 1 mil pessoas estavam no navio durante o naufrágio.

Cargas Misteriosas


Sendo um navio misto, todo o tipo de carga podia ser encontrada em seus porões, mas em sua última viagem, itens curiosos estavam sendo transportados.

Entre eles, 12 estátuas que haviam sido encomendadas pela Espanha para serem colocadas no Parque Palermo, em Bueno Aires, como parte do monumento “la Carta Magna y las Cuatro Regiones Argentinas” - inaugurado em comemoração aos 90 anos da independência da Argentina. As peças foram feitas de bronze e custaram 40 mil libras-ouro no total, um valor expressivo na época.


Estátua encontrada depois do naufrágio do navio Príncipe de Astúrias — Foto: Reprodução

Em 1990, uma das estátuas foi encontrada por mergulhadores e atualmente está exposta no Serviço de Documentação Geral da Marinha, no Primeiro Distrito Naval, no Rio de Janeiro. Das outras 11, somente pedaços foram recuperados.

Além das estátuas que têm registros oficiais, houve boatos de que 11 toneladas de ouro estariam sendo transportadas na embarcação, porém a suposta carga preciosa nunca teve uma comprovação.

Diário do Naufrágio


As quatro horas da manhã do dia cinco de março de 1916, 16 dias após sua partida de Barcelona, uma forte chuva caía no Litoral Norte, deixando a visibilidade extremamente baixa até mesmo para o experiente capitão José Lotina.


Capitão do navio Príncipe de Astúrias, José Lotina — Foto: Créditos: acervo/divulgação

Não houve outra alternativa a não ser mudar a rota que seguiam. Em vez de continuar em mar aberto em direção a cidade de Santos, fizeram um desvio para a parte rasa, sem saber que estavam entrando em uma área de corais.

Os tripulantes não tiveram tempo de fazer nada: o navio bateu contra a parte dos corais submersos da Ponta da Pirabura, na costa de Ilhabela, abrindo uma enorme fenda de pelo menos 40 metros no casco. O que aconteceu depois do impacto é incerto.

Sobreviventes chegaram a relatar que a água começou a invadir a sala de máquinas e duas das caldeiras explodiram. Muitas pessoas morreram de imediato e várias outras morreram ao serem tragadas para o fundo do mar, por causa da sucção gerada pela pressão. O corpo de José Lotina nunca foi encontrado, assim como o de seu primeiro oficial, Antônio Salazar Linas.

Depois da explosão, a embarcação se partiu em três pedaços e em menos de cinco minutos, o Príncipe de Astúrias estava completamente no fundo do mar.



Escada do navio príncipe de Astúrias — Foto: Acervo Globo

Resgate


Algum tempo depois do naufrágio, o navio inglês Vegas, que fazia a mesma rota em direção a Santos, percebeu que algo estava acontecendo próximo à costa de Ilhabela e se aproximou do local.

O transatlântico ajudou no resgate de alguns sobreviventes, que conseguiram nadar ou se seguraram em algum tipo de objeto até se salvarem. Além de sobreviventes, alguns corpos foram recolhidos do mar pela tripulação.

“Os corpos se espalharam pelo Litoral Norte e quando encontrados, foram enterrados nas praias. Cerca de 600 pessoas foram enterradas na praia da Serraria em Ilhabela e 300 em Castelhanos”, conta Fernando Alves sobre as vítimas do navio.

Além das praias da Serraria e Castelhanos, a Praia da Caveira, que antes não tinha esse nome, serviu de cemitério para as vítimas da tragédia. Até os dias de hoje, estes locais são cercados de lendas sobre o caso.


Ponta da Pirabura em Ilhabela, onde o navio Príncipe de Astúrias naufragou — Foto: Reprodução

 Entre os 654 passageiros registrados oficialmente , 477 morreram no naufrágio. Nunca foi provada a existência de hóspedes clandestinos, mas o número de sepulturas encontradas nas praias totalizam mais de mil, quantidade que não se encaixa no número total de pessoas que estavam a bordo do Príncipe das Astúrias.

Os destroços do navio estão a 30 metros de profundidade, ao lado da Ponta da Pirabura. Para não prejudicar a passagem de embarcações pelo local, em 1989 os pedaços restantes da embarcação foram dinamitados.

O mergulhador e arqueólogo marítimo, Jeannis Platon, realizou expedições durante 17 anos ao navio, em busca de relíquias perdidas em meio aos destroços.

Em uma entrevista concedida ao g1 em 2016, quando o naufrágio completou 100 anos, o mergulhador contou que o local onde os destroços se encontram é exposto a fortes correntes marítimas além de pouca visibilidade devido à movimentação da água que fica turva com a areia e com as partículas de ferrugem vindas das ferragens do navio.


Jornais da época divulgaram o maior naufrágio na costa brasileira — Foto: Reprodução/Blog Jeannis Platon

Algumas relíquias do transatlântico foram recuperadas pelos mergulhadores ao longo dos anos, além de artefatos encontrados na época do naufrágio por moradores da ilha. Talheres e pratos utilizados pelos hospedes a bordo e até mesmo bonecas de meninas que estavam viajando foram resgatados do fundo do mar.


Boneca encontrada entre as relíquias do navio Príncipe de Astúrias — Foto: Créditos: acervo Globo


Fonte: g1 Vale do Paraíba e Região

Os benefícios surpreendentes dos dedos enrugados na água

 Estudos apontam que os seres humanos podem ter evoluído para enrugar os dedos das mãos e dos pés, em algum momento da história.


Até agora, foi encontrado apenas um outro primata com dedos que ficam enrugados quando mergulhados na água: o macaco-japonês — Foto: Getty Images via BBC


A pele da ponta dos nossos dedos fica enrugada como uma ameixa seca quando os mergulhamos por alguns minutos na água. Seria uma adaptação evolutiva? E o que isso pode revelar sobre a nossa saúde hoje em dia?

Basta ficar mais que alguns minutos mergulhado em uma banheira ou nadando em uma piscina para que os nossos dedos passem por uma transformação dramática. Onde antes havia as delicadas espirais da epiderme levemente ondulada, agora temos dobras inchadas de pele feia e enrugada.

Essa impressionante mudança é familiar, mas também desconcertante. Afinal, apenas a pele dos dedos das mãos e dos pés fica enrugada quando imersa na água, enquanto outras partes do corpo, como os antebraços, o tórax, as pernas e o rosto, permanecem com a mesma aparência de antes de serem submersos.

Esse enrugamento da pele dos dedos causado pela água foi objeto de pesquisa dos cientistas por décadas. A maioria deles não entendia o que gerava esse fenômeno. Até agora.

Recentemente, pesquisadores encontraram novas respostas sobre a causa e o possível propósito desse processo.

Mas talvez o mais intrigante ainda seja o que os dedos enrugados podem revelar sobre a nossa saúde.

O mecanismo


Leva cerca de 3,5 minutos em água morna — a temperatura considerada ideal é 40 °C — para que as pontas dos nossos dedos comecem a se enrugar. Já em temperaturas mais baixas, de cerca de 20 °C, pode levar até 10 minutos. Mas a maioria dos estudos concluiu que são necessários cerca de 30 minutos na água para atingir o enrugamento máximo.

Costumava-se acreditar que o enrugamento da ponta dos dedos fosse uma reação passiva, na qual as camadas superiores da pele inchavam enquanto a água invadia as células em um processo conhecido como osmose. Nele, as moléculas de água movem-se através de uma membrana para equalizar a concentração das soluções de cada lado.

Mas, em 1935, cientistas suspeitaram que o processo deveria ser mais complexo. Foi quando médicos que estudavam pacientes lesionados que haviam rompido o nervo mediano — um dos principais nervos que correm pelo braço até a mão — descobriram que seus dedos não se enrugavam.

Entre outras funções, o nervo mediano ajuda a controlar as chamadas atividades simpáticas (do sistema nervoso simpático), como o suor e a constrição dos vasos sanguíneos. Essa descoberta sugeriu que o enrugamento das pontas dos dedos induzido pela água, na verdade, é controlado pelo sistema nervoso.

Estudos médicos posteriores nos anos 1970 forneceram mais evidências sobre esse processo e propuseram a imersão das mãos na água como um experimento para determinar lesões nervosas que possam afetar a regulagem de processos inconscientes, como o fluxo sanguíneo.

Até que, em 2003, os neurologistas Einar Wilder-Smith e Adeline Chow, que na época trabalhavam no Hospital da Universidade Nacional de Singapura, mediram a circulação sanguínea nas mãos de voluntários enquanto as mergulhavam na água. 

Eles concluíram que, à medida que a pele das pontas dos dedos dos voluntários começava a enrugar-se, havia uma queda significativa do fluxo sanguíneo nos dedos.

E, ao aplicar um creme anestésico local que causava a constrição temporária dos vasos sanguíneos dos dedos de voluntários saudáveis, os médicos concluíram que ele produzia níveis de enrugamento similares à imersão na água.

"Isso faz sentido quando você olha para os seus dedos enrugados", afirma Nick Davis, neurocientista e psicólogo da Universidade Metropolitana de Manchester, no Reino Unido, que estudou o enrugamento da ponta dos dedos. "As almofadas dos dedos ficam pálidas porque o fluxo sanguíneo está sendo restringido na superfície."

Wilder-Smith e seus colegas imaginaram que, quando as mãos são imersas na água, os dutos de suor nos nossos dedos se abrem para permitir a entrada de água, o que gera desequilíbrio dos sais da pele. 

Essa alteração dos sais aciona as fibras nervosas dos dedos, causando a constrição dos vasos sanguíneos em volta dos dutos de suor. Isso, por sua vez, causa perda de volume na região carnosa da ponta do dedo, que puxa para baixo a pele da superfície que então se distorce, criando rugas.

O padrão das rugas depende da forma em que a camada mais exterior da pele — a epiderme — é fixada às camadas abaixo dela.

Também surgiram indicações de que as camadas externas da pele podem inchar um pouco para aumentar a formação de rugas. Mas, somente por osmose, nossa pele precisaria inchar em cerca de 20% para atingir as rugas que vemos os nossos dedos, o que as aumentaria de forma descomunal.

O que ocorre é que, quando as camadas superiores da pele ficam levemente inchadas e os níveis inferiores se contraem ao mesmo tempo, as rugas ficam pronunciadas com muito mais rapidez, segundo Pablo Saez Viñas, engenheiro de biomecânica da Universidade Técnica da Catalunha, na Espanha, que usou modelos computadorizados para examinar o mecanismo.

"Você precisa dos dois fatores para ter níveis normais de enrugamento", segundo ele. "Se você não tiver essa reação neurológica, como acontece em alguns indivíduos, as rugas não aparecem."

Mas, se o enrugamento é controlado pelos nossos nervos, isso significa que o nosso corpo reage ativamente à imersão em água.

"O que quer dizer que isso acontece por alguma razão", segundo Davis. "E que pode estar nos dando alguma vantagem."

Vantagem


Uma pergunta de um dos seus filhos na hora do banho — por que os dedos ficam enrugados — levou Davis a pesquisar recentemente qual poderia ser essa vantagem.

Com a ajuda de 500 voluntários que visitaram o Museu de Ciências de Londres em 2020, Davis mediu quanta força era necessária para que eles segurassem um objeto de plástico.

Talvez conforme o esperado, aqueles que estavam com as mãos secas e sem rugas precisaram usar menos força que as pessoas com as mãos molhadas - logo, sua aderência sobre o objeto era melhor.

Mas, quando eles mergulharam suas mãos na água por alguns minutos para que suas mãos ficassem enrugadas, a força de preensão necessária caiu entre os dois grupos, mesmo se as suas mãos ainda estivessem molhadas.

"O resultado foi surpreendentemente claro", explica Davis. "As rugas aumentaram a fricção entre os dedos e o objeto. O que foi particularmente interessante é que os nossos dedos são sensíveis a essa mudança da fricção superficial e nós usamos essa informação para aplicar menos força para segurar um objeto com segurança."

O objeto que os voluntários de Davis estavam segurando pesava menos que um par de moedas, de forma que a aderência necessária era pequena. Mas, para realizar tarefas mais difíceis em ambientes úmidos, essa diferença de fricção pode ganhar importância.

"Se você não precisa pressionar um objeto com tanta força para segurá-lo, os músculos das suas mãos ficam menos cansados e você pode segurar por mais tempo", explica ele.

Suas descobertas coincidem com as de outros pesquisadores que descobriram que o enrugamento das pontas dos nossos dedos facilita o manuseio de objetos molhados.

Em 2013, uma equipe de neurocientistas da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, pediu aos voluntários que transferissem bolas de gude de diversos tamanhos e pesos de pesca de um recipiente para outro. Em um dos casos, os objetos estavam secos e, no outro, eles estavam no fundo de um recipiente cheio de água.

Os participantes levaram 17% mais tempo para transferir os objetos submersos com dedos sem rugas que os objetos secos. Mas, quando seus dedos ficaram enrugados, eles conseguiram transferir as bolinhas e os pesos submersos 12% mais rápido que com seus dedos molhados e não enrugados. Interessante notar que não houve diferença na transferência dos objetos secos com dedos enrugados ou sem rugas.

Alguns cientistas sugeriram que as rugas nas pontas dos nossos dedos podem funcionar como as bandas de chuva dos pneus ou como as solas dos sapatos. Os canais produzidos pelas rugas ajudam a retirar a água do ponto de contato entre os dedos e o objeto.

Isso indica que os seres humanos podem ter evoluído para enrugar os dedos das mãos e dos pés em algum momento da história para nos ajudar a segurar objetos e andar sobre superfícies úmidas.

"Como as rugas parecem fornecer melhor aderência debaixo d'água, eu consideraria alguma relação com a locomoção em condições muito úmidas ou possivelmente com o manuseio de objetos debaixo d'água", afirma Tom Smulders, neurocientista evolutivo da Universidade de Newcastle, que liderou o estudo de 2013.

As rugas podem ter dado aos nossos ancestrais uma vantagem fundamental para andar sobre pedras molhadas ou segurar-se em galhos, por exemplo. Ou pode ter nos ajudado a pegar ou coletar alimentos como mariscos.

"No segundo caso, isso indicaria que é algo exclusivo dos seres humanos, mas, no primeiro caso, esperaríamos que isso acontecesse também em outros primatas", afirma Smulders.

Ainda não foi observado enrugamento dos dedos nos nossos parentes primatas mais próximos, como os chimpanzés, mas já se verificou que os dedos dos macacos-japoneses — conhecidos por ficarem por longos períodos na água quente — também ficam enrugados depois de submersos na água.

Mas a falta de evidências em outros primatas não significa que o enrugamento não acontece. Pode ser simplesmente que ninguém ainda tenha observado o suficiente, segundo Smulders. Na verdade, "nós ainda não sabemos a resposta a essa pergunta."


Existem outras indicações interessantes sobre quando essa adaptação pode ter aparecido na nossa espécie. O enrugamento da ponta dos dedos é menos pronunciado na água salgada e leva mais tempo para aparecer que na água doce, por exemplo.

Isso provavelmente acontece porque a variação do nível de sal entre a pele e o ambiente ao seu redor é menor na água salgada, de forma que o desequilíbrio de sal que aciona as fibras nervosas é menos acentuado.

Por isso, essa adaptação pode ter ajudado nossos ancestrais a viver em ambientes de água doce e não ao longo do litoral.

Mas não há respostas definitivas e algumas pessoas acreditam que essa reação fisiológica pode ser apenas uma coincidência, sem função adaptativa.

Fonte: G1 Saúde/BBC