Estudos apontam que os seres humanos podem ter evoluído para enrugar os dedos das mãos e dos pés, em algum momento da história.
Até agora, foi encontrado apenas um outro primata com dedos que ficam enrugados quando mergulhados na água: o macaco-japonês — Foto: Getty Images via BBC
A pele da ponta dos nossos dedos fica enrugada como uma ameixa seca quando os mergulhamos por alguns minutos na água. Seria uma adaptação evolutiva? E o que isso pode revelar sobre a nossa saúde hoje em dia?
Basta ficar mais que alguns minutos mergulhado em uma banheira ou nadando em uma piscina para que os nossos dedos passem por uma transformação dramática. Onde antes havia as delicadas espirais da epiderme levemente ondulada, agora temos dobras inchadas de pele feia e enrugada.
Essa impressionante mudança é familiar, mas também desconcertante. Afinal, apenas a pele dos dedos das mãos e dos pés fica enrugada quando imersa na água, enquanto outras partes do corpo, como os antebraços, o tórax, as pernas e o rosto, permanecem com a mesma aparência de antes de serem submersos.
Esse enrugamento da pele dos dedos causado pela água foi objeto de pesquisa dos cientistas por décadas. A maioria deles não entendia o que gerava esse fenômeno. Até agora.
Recentemente, pesquisadores encontraram novas respostas sobre a causa e o possível propósito desse processo.
Mas talvez o mais intrigante ainda seja o que os dedos enrugados podem revelar sobre a nossa saúde.
O mecanismo
Leva cerca de 3,5 minutos em água morna — a temperatura considerada ideal é 40 °C — para que as pontas dos nossos dedos comecem a se enrugar. Já em temperaturas mais baixas, de cerca de 20 °C, pode levar até 10 minutos. Mas a maioria dos estudos concluiu que são necessários cerca de 30 minutos na água para atingir o enrugamento máximo.
Costumava-se acreditar que o enrugamento da ponta dos dedos fosse uma reação passiva, na qual as camadas superiores da pele inchavam enquanto a água invadia as células em um processo conhecido como osmose. Nele, as moléculas de água movem-se através de uma membrana para equalizar a concentração das soluções de cada lado.
Mas, em 1935, cientistas suspeitaram que o processo deveria ser mais complexo. Foi quando médicos que estudavam pacientes lesionados que haviam rompido o nervo mediano — um dos principais nervos que correm pelo braço até a mão — descobriram que seus dedos não se enrugavam.
Entre outras funções, o nervo mediano ajuda a controlar as chamadas atividades simpáticas (do sistema nervoso simpático), como o suor e a constrição dos vasos sanguíneos. Essa descoberta sugeriu que o enrugamento das pontas dos dedos induzido pela água, na verdade, é controlado pelo sistema nervoso.
Estudos médicos posteriores nos anos 1970 forneceram mais evidências sobre esse processo e propuseram a imersão das mãos na água como um experimento para determinar lesões nervosas que possam afetar a regulagem de processos inconscientes, como o fluxo sanguíneo.
Até que, em 2003, os neurologistas Einar Wilder-Smith e Adeline Chow, que na época trabalhavam no Hospital da Universidade Nacional de Singapura, mediram a circulação sanguínea nas mãos de voluntários enquanto as mergulhavam na água.
Eles concluíram que, à medida que a pele das pontas dos dedos dos voluntários começava a enrugar-se, havia uma queda significativa do fluxo sanguíneo nos dedos.
E, ao aplicar um creme anestésico local que causava a constrição temporária dos vasos sanguíneos dos dedos de voluntários saudáveis, os médicos concluíram que ele produzia níveis de enrugamento similares à imersão na água.
"Isso faz sentido quando você olha para os seus dedos enrugados", afirma Nick Davis, neurocientista e psicólogo da Universidade Metropolitana de Manchester, no Reino Unido, que estudou o enrugamento da ponta dos dedos. "As almofadas dos dedos ficam pálidas porque o fluxo sanguíneo está sendo restringido na superfície."
Wilder-Smith e seus colegas imaginaram que, quando as mãos são imersas na água, os dutos de suor nos nossos dedos se abrem para permitir a entrada de água, o que gera desequilíbrio dos sais da pele.
Essa alteração dos sais aciona as fibras nervosas dos dedos, causando a constrição dos vasos sanguíneos em volta dos dutos de suor. Isso, por sua vez, causa perda de volume na região carnosa da ponta do dedo, que puxa para baixo a pele da superfície que então se distorce, criando rugas.
O padrão das rugas depende da forma em que a camada mais exterior da pele — a epiderme — é fixada às camadas abaixo dela.
Também surgiram indicações de que as camadas externas da pele podem inchar um pouco para aumentar a formação de rugas. Mas, somente por osmose, nossa pele precisaria inchar em cerca de 20% para atingir as rugas que vemos os nossos dedos, o que as aumentaria de forma descomunal.
O que ocorre é que, quando as camadas superiores da pele ficam levemente inchadas e os níveis inferiores se contraem ao mesmo tempo, as rugas ficam pronunciadas com muito mais rapidez, segundo Pablo Saez Viñas, engenheiro de biomecânica da Universidade Técnica da Catalunha, na Espanha, que usou modelos computadorizados para examinar o mecanismo.
"Você precisa dos dois fatores para ter níveis normais de enrugamento", segundo ele. "Se você não tiver essa reação neurológica, como acontece em alguns indivíduos, as rugas não aparecem."
Mas, se o enrugamento é controlado pelos nossos nervos, isso significa que o nosso corpo reage ativamente à imersão em água.
"O que quer dizer que isso acontece por alguma razão", segundo Davis. "E que pode estar nos dando alguma vantagem."
Vantagem
Uma pergunta de um dos seus filhos na hora do banho — por que os dedos ficam enrugados — levou Davis a pesquisar recentemente qual poderia ser essa vantagem.
Com a ajuda de 500 voluntários que visitaram o Museu de Ciências de Londres em 2020, Davis mediu quanta força era necessária para que eles segurassem um objeto de plástico.
Talvez conforme o esperado, aqueles que estavam com as mãos secas e sem rugas precisaram usar menos força que as pessoas com as mãos molhadas - logo, sua aderência sobre o objeto era melhor.
Mas, quando eles mergulharam suas mãos na água por alguns minutos para que suas mãos ficassem enrugadas, a força de preensão necessária caiu entre os dois grupos, mesmo se as suas mãos ainda estivessem molhadas.
"O resultado foi surpreendentemente claro", explica Davis. "As rugas aumentaram a fricção entre os dedos e o objeto. O que foi particularmente interessante é que os nossos dedos são sensíveis a essa mudança da fricção superficial e nós usamos essa informação para aplicar menos força para segurar um objeto com segurança."
O objeto que os voluntários de Davis estavam segurando pesava menos que um par de moedas, de forma que a aderência necessária era pequena. Mas, para realizar tarefas mais difíceis em ambientes úmidos, essa diferença de fricção pode ganhar importância.
"Se você não precisa pressionar um objeto com tanta força para segurá-lo, os músculos das suas mãos ficam menos cansados e você pode segurar por mais tempo", explica ele.
Suas descobertas coincidem com as de outros pesquisadores que descobriram que o enrugamento das pontas dos nossos dedos facilita o manuseio de objetos molhados.
Em 2013, uma equipe de neurocientistas da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, pediu aos voluntários que transferissem bolas de gude de diversos tamanhos e pesos de pesca de um recipiente para outro. Em um dos casos, os objetos estavam secos e, no outro, eles estavam no fundo de um recipiente cheio de água.
Os participantes levaram 17% mais tempo para transferir os objetos submersos com dedos sem rugas que os objetos secos. Mas, quando seus dedos ficaram enrugados, eles conseguiram transferir as bolinhas e os pesos submersos 12% mais rápido que com seus dedos molhados e não enrugados. Interessante notar que não houve diferença na transferência dos objetos secos com dedos enrugados ou sem rugas.
Alguns cientistas sugeriram que as rugas nas pontas dos nossos dedos podem funcionar como as bandas de chuva dos pneus ou como as solas dos sapatos. Os canais produzidos pelas rugas ajudam a retirar a água do ponto de contato entre os dedos e o objeto.
Isso indica que os seres humanos podem ter evoluído para enrugar os dedos das mãos e dos pés em algum momento da história para nos ajudar a segurar objetos e andar sobre superfícies úmidas.
"Como as rugas parecem fornecer melhor aderência debaixo d'água, eu consideraria alguma relação com a locomoção em condições muito úmidas ou possivelmente com o manuseio de objetos debaixo d'água", afirma Tom Smulders, neurocientista evolutivo da Universidade de Newcastle, que liderou o estudo de 2013.
As rugas podem ter dado aos nossos ancestrais uma vantagem fundamental para andar sobre pedras molhadas ou segurar-se em galhos, por exemplo. Ou pode ter nos ajudado a pegar ou coletar alimentos como mariscos.
"No segundo caso, isso indicaria que é algo exclusivo dos seres humanos, mas, no primeiro caso, esperaríamos que isso acontecesse também em outros primatas", afirma Smulders.
Ainda não foi observado enrugamento dos dedos nos nossos parentes primatas mais próximos, como os chimpanzés, mas já se verificou que os dedos dos macacos-japoneses — conhecidos por ficarem por longos períodos na água quente — também ficam enrugados depois de submersos na água.
Mas a falta de evidências em outros primatas não significa que o enrugamento não acontece. Pode ser simplesmente que ninguém ainda tenha observado o suficiente, segundo Smulders. Na verdade, "nós ainda não sabemos a resposta a essa pergunta."
Existem outras indicações interessantes sobre quando essa adaptação pode ter aparecido na nossa espécie. O enrugamento da ponta dos dedos é menos pronunciado na água salgada e leva mais tempo para aparecer que na água doce, por exemplo.
Isso provavelmente acontece porque a variação do nível de sal entre a pele e o ambiente ao seu redor é menor na água salgada, de forma que o desequilíbrio de sal que aciona as fibras nervosas é menos acentuado.
Por isso, essa adaptação pode ter ajudado nossos ancestrais a viver em ambientes de água doce e não ao longo do litoral.
Mas não há respostas definitivas e algumas pessoas acreditam que essa reação fisiológica pode ser apenas uma coincidência, sem função adaptativa.
Fonte: G1 Saúde/BBC
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