Transatlântico afundou em 1916, depois de bater em uma barreira de corais submersos da Ponta da Pirabura; dos 654 tripulantes, 477 morreram quando navio afundou. No entanto, número de corpos encontrados no litoral paulista originou suspeita de que refugiados clandestinos
Viajem inaugural do navio Príncipe de Astúrias, em 1914. — Foto: Acervo O Globo
Na madrugada do dia 5 de março de 1916, o transatlântico Príncipe de Astúrias passava pela costa de Ilhabela em direção ao Porto de Santos, no litoral paulista. Era uma segunda-feira de carnaval e os tripulantes dançavam marchinhas no salão de baile do navio, quando a embarcação mudou de direção e se chocou contra uma barreira de corais na Ponta da Pirabura. Assim começa o maior naufrágio de que se tem conhecimento na costa brasileira.
O navio foi construído em 1914, na Escócia, sob encomenda de uma companhia espanhola. O transatlântico contava com uma estrutura de duplo casco, assim como a utilizada no Titanic e por isso inspira comparações. Na época essa tecnologia era conhecida por ser segura e ajudar a tornar a viagem mais rápida.
O Príncipe das Astúrias operava de forma mista, levando tanto pessoas quanto cargas. A estrutura tinha três classes com diferentes acomodações, comportando 1.890 pessoas - entre tripulantes e passageiros.
“A rota de travessia do Atlântico durava cerca de 30 dias, saindo de Barcelona e escalando em Cadiz e Las Palmas na Espanha, Canárias, além do Rio de Janeiro e Santos, no Brasil, Montevidéu, no Uruguai, antes de chegar a Buenos Aires”, explica o historiador Fernando Alves.
O transatlântico chegou a concluir seis viagens entre Barcelona e Buenos Aires e estava na sétima travessia quando naufragou.
Hall de um dos andares do navio Príncipe de Astúrias — Foto: Acervo O Globo
Período histórico
“Durante esse período, houve um declínio da Europa, com desemprego, fome e miséria. Essa instabilidade política e social favoreceu o surgimento de regimes totalitários. Diante dessa questão é que se constata o número significativo de tripulantes no porão da embarcação, fugindo da Primeira Guerra Mundial”, conta o historiador.
Com a fuga da Europa, todas as classes dos navios na época saíam completamente cheias dos portos, porém, nem a capacidade total era suficiente para comportar todos que tentavam embarcar.
Oficialmente, em sua última viagem, o Príncipe de Astúrias transportava 654 passageiros. Entretanto, muitos estudiosos acreditam que havia pessoas viajando junto às cargas no porão, de forma clandestina, em uma tentativa desesperada para sair dos países em guerra.
Estima-se que no total, pelo menos 1 mil pessoas estavam no navio durante o naufrágio.
Cargas Misteriosas
Sendo um navio misto, todo o tipo de carga podia ser encontrada em seus porões, mas em sua última viagem, itens curiosos estavam sendo transportados.
Entre eles, 12 estátuas que haviam sido encomendadas pela Espanha para serem colocadas no Parque Palermo, em Bueno Aires, como parte do monumento “la Carta Magna y las Cuatro Regiones Argentinas” - inaugurado em comemoração aos 90 anos da independência da Argentina. As peças foram feitas de bronze e custaram 40 mil libras-ouro no total, um valor expressivo na época.
Estátua encontrada depois do naufrágio do navio Príncipe de Astúrias — Foto: Reprodução
Em 1990, uma das estátuas foi encontrada por mergulhadores e atualmente está exposta no Serviço de Documentação Geral da Marinha, no Primeiro Distrito Naval, no Rio de Janeiro. Das outras 11, somente pedaços foram recuperados.
Além das estátuas que têm registros oficiais, houve boatos de que 11 toneladas de ouro estariam sendo transportadas na embarcação, porém a suposta carga preciosa nunca teve uma comprovação.
Diário do Naufrágio
As quatro horas da manhã do dia cinco de março de 1916, 16 dias após sua partida de Barcelona, uma forte chuva caía no Litoral Norte, deixando a visibilidade extremamente baixa até mesmo para o experiente capitão José Lotina.
Capitão do navio Príncipe de Astúrias, José Lotina — Foto: Créditos: acervo/divulgação
Não houve outra alternativa a não ser mudar a rota que seguiam. Em vez de continuar em mar aberto em direção a cidade de Santos, fizeram um desvio para a parte rasa, sem saber que estavam entrando em uma área de corais.
Os tripulantes não tiveram tempo de fazer nada: o navio bateu contra a parte dos corais submersos da Ponta da Pirabura, na costa de Ilhabela, abrindo uma enorme fenda de pelo menos 40 metros no casco. O que aconteceu depois do impacto é incerto.
Sobreviventes chegaram a relatar que a água começou a invadir a sala de máquinas e duas das caldeiras explodiram. Muitas pessoas morreram de imediato e várias outras morreram ao serem tragadas para o fundo do mar, por causa da sucção gerada pela pressão. O corpo de José Lotina nunca foi encontrado, assim como o de seu primeiro oficial, Antônio Salazar Linas.
Depois da explosão, a embarcação se partiu em três pedaços e em menos de cinco minutos, o Príncipe de Astúrias estava completamente no fundo do mar.
Escada do navio príncipe de Astúrias — Foto: Acervo Globo
Resgate
Algum tempo depois do naufrágio, o navio inglês Vegas, que fazia a mesma rota em direção a Santos, percebeu que algo estava acontecendo próximo à costa de Ilhabela e se aproximou do local.
O transatlântico ajudou no resgate de alguns sobreviventes, que conseguiram nadar ou se seguraram em algum tipo de objeto até se salvarem. Além de sobreviventes, alguns corpos foram recolhidos do mar pela tripulação.
“Os corpos se espalharam pelo Litoral Norte e quando encontrados, foram enterrados nas praias. Cerca de 600 pessoas foram enterradas na praia da Serraria em Ilhabela e 300 em Castelhanos”, conta Fernando Alves sobre as vítimas do navio.
Além das praias da Serraria e Castelhanos, a Praia da Caveira, que antes não tinha esse nome, serviu de cemitério para as vítimas da tragédia. Até os dias de hoje, estes locais são cercados de lendas sobre o caso.
Ponta da Pirabura em Ilhabela, onde o navio Príncipe de Astúrias naufragou — Foto: Reprodução
Entre os 654 passageiros registrados oficialmente , 477 morreram no naufrágio. Nunca foi provada a existência de hóspedes clandestinos, mas o número de sepulturas encontradas nas praias totalizam mais de mil, quantidade que não se encaixa no número total de pessoas que estavam a bordo do Príncipe das Astúrias.
Os destroços do navio estão a 30 metros de profundidade, ao lado da Ponta da Pirabura. Para não prejudicar a passagem de embarcações pelo local, em 1989 os pedaços restantes da embarcação foram dinamitados.
O mergulhador e arqueólogo marítimo, Jeannis Platon, realizou expedições durante 17 anos ao navio, em busca de relíquias perdidas em meio aos destroços.
Em uma entrevista concedida ao g1 em 2016, quando o naufrágio completou 100 anos, o mergulhador contou que o local onde os destroços se encontram é exposto a fortes correntes marítimas além de pouca visibilidade devido à movimentação da água que fica turva com a areia e com as partículas de ferrugem vindas das ferragens do navio.
Jornais da época divulgaram o maior naufrágio na costa brasileira — Foto: Reprodução/Blog Jeannis Platon
Algumas relíquias do transatlântico foram recuperadas pelos mergulhadores ao longo dos anos, além de artefatos encontrados na época do naufrágio por moradores da ilha. Talheres e pratos utilizados pelos hospedes a bordo e até mesmo bonecas de meninas que estavam viajando foram resgatados do fundo do mar.
Boneca encontrada entre as relíquias do navio Príncipe de Astúrias — Foto: Créditos: acervo Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Fala ae!!!