Reportagem feita em 1997.
Se não fosse por uma bala cravada na coluna, André Torres garante: "Eu continuaria sendo um inferno." Um dos fundadores do Comando Vermelho passa sua vida a limpo,conta como conseguiu se livrar de uma condenação de 585 anos de cana e revela segredos capazes de rachar as estruturas do crime organizado carioca.
Manhã de sol. Rua de subúrbio ferroviário na Zona Norte do Rio de Janeiro. Dois carros em comboio param junto à calçada. Seus seis ocupantes desembarcam. Os motoristas permanecem aos volantes. Os homens caminham em direção a uma agência bancária. O segurança, de pé na porta do banco, volta-se para o grupo. Os homens apertam o passo. Um deles saca um revólver, encosta o cano na cabeça do guarda e o empurra para dentro do banco.
Os outros também empunham revólveres: "Todo mundo quieto! Isso é um assalto!"
Funcionários e clientes se agitam. "Parados! Pro chão! Pro chão!" - grita com energia o líder do grupo. As pessoas obedecem, nervosas e amedrontadas. Um dos assaltantes se destaca dos demais. Carrega um galão e derrama gasolina em volta da cabine de segurança em movimentos rápidos. Joga o galão para um canto e risca o fósforo. O fogaréu surge como numa explosão. As pessoas deitadas no chão gritam em pânico. A porta da cabine se abre e o guarda salta por sobre as chamas, mãos para cima.
É sabido no meio da malandragem que o bandido que ateou fogo é William da Silva Lima, o Professor.
Cabine de segurança bancária queimada pelo CV: cena comum nos anos 70
Os bandidos se dividem. Alguns recolhem o dinheiro dos caixas, outros obrigam o gerente a abrir o cofre e carregam os malotes com pacotes de cédulas. Dois assaltantes mantêm funcionários, clientes e guardas sob a mira das armas. A operação não dura mais do que três ou quatro minutos. A quadrilha de Hugo Ferrúcio, pioneira nos assaltos a banco no Rio de Janeiro, na década de 60, é metódica e rápida. Seus homens saem do banco e embarcam nos carros, que aguardavam com os motores ligados e agora arrancam, pneus mordendo o asfalto. Da quadrilha de Ferrúcio faz parte um jovem de 19 anos, Ântonio Carlos Rosa Quinta, que ficaria conhecido da bandidagem como André Torres.
585 ANOS DE PRISÃO
Dois anos mais tarde, em 1971, com 21 anos de idade e já condenado a 585 anos de prisão por assaltos a bancos e homicídio, André Torres desembarcou na Ilha Grande, litoral sul do Estado do Rio de Janeiro, para cumprir sua pena. Sua passagem pela prisão-inferno, que tinha o respeitável nome de Instituto Penal Cândido Mendes, mudaria a história do sistema penitenciário brasileiro. Naquele mesmo ano de 1971, André Torres criou uma organização de encarcerados que está completando 25 anos e atualmente domina o tráfico de drogas e promove os seqüestros no Rio de Janeiro: o Comando Vermelho.
André Torres tem hoje 47 anos e está paralítico, condenado à cadeira de rodas perpétua. A bala de um tiro de revólver, disparado por um policial, durante u ma das fugas, atingiu-o pelas costas e seccionou-lhe a coluna cervical. André Torres recebe o repórter da TRIP na sua casa, no subúrbio de Ramos, zona norte do Rio, numa das entradas do Complexo do Alemão, conglomerado de uma dezena de favelas que se estende pelos subúrbios de Ramos, Penha e Olaria, convertido em supermercado do tráfico de cocaína dominado pelo Comando Vermelho.
O ex-criminoso posa em sua casa
"O pessoal do tráfico me respeita. Se eu precisar,
vou numa boca de fumo e peço dinheiro. Eles
sabem que eu sou da Falange Vermelha"
"COM O SUPER-HOMEM FOI PIOR"
A primeira pergunta é inevitável. Valeu a pena a vida de crimes, para acabar numa cadeira de rodas? Braços erguidos, dedos das mãos cruzados atrás da cabeça, André Torres olha para o teto, pensativo, e depois me encara:
"Não tenho do que me arrepender. Isso pode acontecer com qualquer um. Fiquei paraplégico, mas não mudei minha cabeça nem fiquei broxa. Posso trepar e até fiz um filho". E acrescenta, com sorriso moleque: "Com o Super-Homem foi pior (refere-se ao ator Cristopher Reeve). O cara voava e está tetraplégico..."
André Torres não exagera quando diz que não mudou sua maneira de pensar por ter ficado paralítico. Muitos de seus companheiros morreram e os que escaparam cumprem pena, atualmente, na prisão de segurança máxima Bangu 1. Ele não esconde o orgulho ao revelar que continua respeitado na organização e ainda mantém influência junto aos atuais chefes do Comando Vermelho.
André Torres não aceita a denominação Comando Vermelho. Não discute, mas não usa o nome. Prefere chamar de Falange Vermelha, que aliás nem foi o título original da organização, criado simplesmente como Grupo União.
Antônio Carlos, o André Torres, e quatro irmãs são filhos dos portugueses Manoel e Clotilde Rosa Quintas. André, segundo filho do casal, nasceu em 11 de agosto de 1950. Foi criado na rua Dr. Noguchi, em Ramos, onde o pai tinha uma pequena loja de material de construção, que é tocada por dona Clotilde desde que o marido morreu, há alguns anos.
Aos 15 anos, quando cursava a segunda série do antigo curso ginasial, ficou de saco cheio, abandonou o Colégio Cardeal Leme e caiu na vida.
Com 16 para 17 anos, André já tinha fama como puxador e se enturmou com ladrões de carros que faziam ponto no bar Planalto, no bairro vizinho de Bonsucesso. Ali conheceu Lúcio Flávio Vilar Lírio, que se tornaria o grande bandido do Rio de Janeiro nos anos 70, seu irmão Nijini e o cunhado, Fernando Gomes de Carvalho, o Fernando C.O. Lúcio Flávio, que também começara a furtar carros por farra, tomou gosto, especializou-se no ramo e montou um esquema. Aos 20 anos, providenciava documentação falsa, até carteira de motorista, e vendia os automóveis roubados a receptadores em Recife e São Paulo. Por cada carro, seu pessoal recebia Cr$ 1.500,00 (na época, o zerinho custava entre seis mil e sete mil cruzeiros). André Torres entrou para o negócio.
Naquele tempo, 1968 para 1969, um policial ganhava notoriedade.
Fonte: Revista Trip
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