O HOMEM QUE ORGANIZOU O CRIME (Segunda Parte)




Reportagem feita em 1997.


A cúpula do crime organizado carioca: 


Japonês

Lucio Flavio

Professor


LÚCIO FLÁVIO E MARIEL MORYSCOTTE

Mariel Moryscotte, ex-salva-vidas, Agente de Polícia Judiciária (cargo já extinto), foi nomeado um dos Homens de Ouro da polícia do Rio. Uma turma de elite criada pela Secretaria de Segurança para combater o crime. Só que Mariel valia-se do cargo e prestígio para tratar da própria vida. Ele pretendeu que Lúcio Flávio, já um puxador de carros de fama, seu irmão Nijini e o cunhado Fernando C.O. trabalhassem para ele. Lúcio Flávio foi duro na resposta: "Polícia é polícia, bandido é bandido, não se misturam, são como azeite e água."

Mariel organizara um Esquadrão da Morte para eliminar os bandidos que sabiam demais, ou lhe davam banho, o que na gíria policial significa ser roubado, passado pra trás.

André continuou a furtar carros para vendê-los em Recife. Tome chão, sem ser importunado pela polícia, porque viajava com documentação fria que era providenciada por Lúcio Flávio. Como e onde eram conseguidos os documentos, André nunca se interessou em saber. Sabia que se perguntasse perderia a confiança. Aos 18 anos, apresentou-se para servir o Exército. Tinha interesse no Certificado de Reservista, queria ter os documentos em ordem. Lotado no Quartel General do Ministério do Exército, no Centro do Rio, ao lado da Central do Brasil, costumava ir para a caserna em carros roubados, que deixava no estacionamento privativo do Ministério.

Certa vez, o bando fez a mudança (roubou tudo o que encontrou) em uma mansão na Barra da Tijuca, bairro nobre da Zona Sul do Rio. "No palacete do bacana havia um puta bar", lembra André.

"A rapaziada tomou uísque doze anos e fez uma farra. Na hora em que a gente já ia embora, encontrei o baton da dona da casa. Peguei o baton e com ele escrevi uma mensagem no enorme espelho que cobria toda a parede de uma das salas: "Comando Cobrador de Impostos Coronel André Torres"

"Por quê André Torres?"
"Sei lá, porra! Foi o nome que me veio na hora... Depois disso, passaram a me chamar assim", responde com naturalidade.

A quadrilha começou a cair quando um guarda de segurança bancária que fazia parte do grupo foi preso e entregou o resto do pessoal. André foi julgado em Auditoriais Militares por um sem número de assaltos a bancos e homicídio (matou o segurança de uma joalheria em Copacabana) e o total de suas condenações somou 585 anos de prisão.

O ex-criminoso posa em sua casa

ILHA GRANDE

No final dos anos 60, os ativistas políticos começaram a assaltar bancos para financiar a guerrilha urbana contra a ditadura militar. Os bandidos comuns viram que o negócio dava lucro e entraram para o ramo. Hugo Ferrúcio organizou sua quadrilha e foi o primeiro. Diante do número de assaltos, o governo decidiu enquadrar todos os ladrões de bancos na Lei de Segurança Nacional, não importando se o grupo tivesse ideologia política ou não. Ato contínuo, mandou todos os assaltantes de bancos, integrantes de organizações políticas clandestinas e os chamados bandidos comuns para um mesmo presídio, o Instituto Penal Cândido Mendes, na Ilha Grande.

André Torres e seu amigo Fernando Bernardino Pinto, que morreu há alguns anos com câncer na garganta, foram os primeiros bandidos comuns a serem mandados para a Ilha Grande. "Aprendi muito com os presos políticos", diz André.
Um dia chegaram ao presídio da Ilha Grande os integrantes da quadrilha DKW. Eram chamados assim, porque só roubavam carros daquela marca. Era um pessoal da pesada, que não quis se enturmar e começou a roubar objetos pessoais dos presos políticos. Uma noite, Marta Rocha, que era da quadrilha de Lúcio Flávio, ganhou uma grana do pessoal do bando DKW. Os caras ficaram na bronca e se vingaram, roubando o relógio do Marta Rocha.

"Chega uma hora que se você não toma uma atitude, tá fodido", diz André Torres. "E a hora tinha chegado. Eu, Antônio Branco, Flávio Guache, acho que mais uns três, não me lembro, resolvemos acabar com aquela porra. Então matamos quatro deles a pauladas e golpes de estoque. O quinto só escapou porque se trancou numa cela".
Duas solitárias foram construídas no fundo da geladeira, isoladas por portas de aço, e André Torres e seus companheiros foram trancados naquele lugar, que ficou conhecido como Fundão.

Uma noite, André Torres promoveu uma reunião de que participaram, entre outros presos comuns, Bernardino, Flávio Guache, Sérgio Túlio, Antônio Branco, Viriato, o Japonês, e William, o Professor.

André sugeriu que se organizassem, como os presos políticos haviam ensinado. A idéia foi aceita e o grupo fez até um ritual. Com um canivete, cada um fez um corte na própria mão e deixou o sangue pingar no chão, onde se misturou.
"Fizemos um pacto de sangue", conta André Torres. "Daquele momento em diante, passamos a ser um por todos, todos por um. Por sugestão minha, demos à nossa turma o nome de Grupo União".

"Quando cheguei na Ilha Grande, disse para
os presos políticos: 'Somos de MDC: Mulher,
Dinheiro e Cocaína.' Eles caíram na gargalhada"

A ROTA DA FUGA


As marcas da maior organização criminosa do Rio de Janeiro se espalham por todas as favelas da cidade. Na foto, as iniciais CV aparecem na parede de um barraco do Morro da Providência

Em 1973, André Torres e um companheiro, Ronaldo, fugiram. Durante onze dias, andaram na selva. O presídio ficava no extremo leste da ilha, voltado para o mar aberto. André e Ronaldo foram em direção à Ponta dos Macacos, no outro lado. Aquele é o ponto da Ilha Grande mais próximo do continente, distante apenas seis quilômetros de Angra dos Reis.

"Quando chegamos lá, construí uma jangada de bambú com as próprias mãos", lembra André. "Enrustimos a jangada no mato e nos escondemos para fugir à noite. Quando escureceu, arrastamos a jangada para a praia. André Torres passou um ano foragido.

Recapturado, foi levado para o Presídio Mílton Dias Moreira. Em 19 de agosto de 1974, uma semana após a histórica fuga de Lúcio Flávio, que conseguiu sair pela porta da frente da penitenciária, André escapou com mais quinze presos, em uma evasão em que se diz, vários guardas foram subornados. No mesmo ano, meses depois, foi com um amigo, Valdir de Castro, visitar uma amiga no bairro do Caxambi, zona norte do Rio. Dois policiais espreitavam o prédio e quando André desceu do carro um deles disparou, alvejando-o pelas costas. Um dos tiros atingiu-o na coluna cervical. O criador do Comando Vermelho ficou paralítico.

André ficou preso até o começo dos anos 80, quando foi indultado pelo então presidente da República, general João Batista Figueiredo.

"O crime organizado ocupa com competência um espaço que
o governo ignora na área da assistência social"

As marcas da maior organização criminosa do Rio de Janeiro se espalham por todas as favelas da cidade. Na foto ao lado, as iniciais CV aparecem na parede de um barraco do Morro da Providência

A SEMENTE DO CRIME ORGANIZADO

Há 25 anos, André Torres criou o Grupo União, depois chamado Falange, hoje Comando Vermelho. Não importa o nome, foi a semente do crime organizado. Ele avalia o tempo e analisa: "Em termos de criminalidade, mudou tudo. Hoje os assaltos a bancos são raros porque não rendem. Os bancos não deixam dinheiro grande nas agências. É uma puta mão-de-obra, precisa de um monte de homens, e quando vão dividir a grana, dão uma merreca para cada um. O que dá lucro é o tráfico de drogas e os seqüestros. Outra diferença é o armamento. Nós assaltávamos bancos com revólver 38, no máximo pistola 45 ou 765. Se naquele tempo usássemos as armas de hoje como os fuzis AR 15 e Fal, ia ser uma tragédia. Pode reparar que os bandidos raramente trazem esse armamento para as ruas. Só usam na segurança dos pontos de venda de droga. Acho que tínhamos mais coragem que os bandidos de hoje."
A Falange ou Comando Vermelho já não controla o sistema penitenciário. Seus líderes estão confinados nos presídio de segurança máxima Bangu 1. Mas mesmo da prisão, comandam o crime organizado nas ruas. André Torres explica como funciona:

O PODER DA FALANGE

"A Falange Vermelha nunca esteve tão forte nos morros, nas favelas, nas comunidades carentes, como hoje. O crime organizado ocupa com competência o espaço que o sistema, o governo, ignora na área da assistência social. São os chefes do tráfico de drogas que compram o material escolar do filho do favelado, os remédios e dão até dinheiro para pagar os enterros de seus mortos. Quando pobre precisa de um favor maior, manda recado para um companheiro que está em Bangu 1. De lá, vem a ordem para que o pedido seja atendido. Até internação em hospital se consegue. Às vezes, a mulher favelada não tem dinheiro para comprar uma merda de bujão de gás pra cozinhar para os filhos. Ela vai na boca de fumo e o traficante dá o bujão de gás pra ela. A gente ganha muito quando ajuda as pessoas. É por isso que as comunidades carentes protegem os traficantes. É uma questão de sobrevivência. As autoridades se queixam de que o exército do tráfico, a segurança das bocas de fumo, é feita por menores, uma garotada de 14, 15 anos, que tem nas mãos armas poderosas, como os fuzis Fal e AR-15. O que essas autoridades não dizem é que o salário mínimo do trabalhador é de 120 cruzeiros (sic) e que esses garotos que trabalham no tráfico ganham muito mais por semana e que são eles que sustentam as famílias".

Provocado, André Torres conclui: "Mesmo depois de tudo que passei, se eu não estivesse nessa cadeira de rodas ia ser um inferno. Com a experiência que eu tenho e com os meus conhecimentos, sei onde conseguir armas modernas e homens capazes... Melhor deixar pra lá..."

Fonte Revista Trip

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